Planeamento e Pesquisa (projeto académico “Inclusiva - Por um Mundo com Menos Barreiras”).
Levantamento de situações pessoais que relatam o preconceito e a falta de informação relativas à deficiência em Portugal:
Ambiente familiar:
-Eu estava num contexto de lazer com duas pessoas e um membro da família que me disse:
-” Se vier cá uma cliente de onde eu trabalho, não digas que és da família!”
- Há uns anos, no dia do meu aniversário, na frente de uma amiga, o mesmo familiar terá dito algo inusitado e constrangedor, que foi o seguinte:
-” Se era para ela nascer assim, mais valia ambos termos morrido, assim evitaríamos dor e sofrimento!”
Colocarem em causa as minhas capacidades cognitivas e algumas físicas que não foram afetadas pela minha condição física, pelo simples facto de me deslocar em cadeiras de rodas:
“- Achas que foi ela que fez isto? Achas que ela sabe? Achas que ela consegue? Ela não sabe fazer nada!” E, quando se referem a mais pessoas na mesma condição, fazem os mesmos comentários.
“- Não sabia que entendias tanto de determinados temas e assuntos. O que estás a fazer na praia? Como foste para aí?”
Dizerem o que tenho de fazer, como tenho de me comportar em convívios/ festas, entrevistas de emprego...tratando-me como criança e dizendo o seguinte:
“Já és maior de idade, não podemos fazer as coisas por ti. Estou aqui no centro de emprego a tratar das coisas para ti. Enquanto forem vivos, os teus pais é que são responsáveis por ti.
-” Não tens nada na cabeça, nunca vais conseguir ser organizadora de eventos, porque é preciso pegar em pesos. Não sabes o que é vida (quando transmito informações das quais tenho plena certeza). Tu sabes tudo”. (Responderem de forma irónica, quando tenho absoluta certeza de algo). Não penses que vais fazer da tua vida o que tu queres. Não sabes pensar por ti própria. Outras pessoas andam a influenciar te. Quem te põe essas coisas na cabeça? Só vais conseguir o sonho de ter uma casa própria quando eu for para debaixo da terra. Quem vai tomar conta de ti? Eu não posso tomar conta de ti!”
Críticas, quererem definir o que vou usar e quase agressão por vestir algo que alguém da família não aprovou:
“- Pareces uma velha, não te sabes vestir. Ou tiras essa maquilhagem e desfazes esse cabelo, ou levas uma bofetada e não te levo a lado nenhum!”;
Discussões, escândalos e confusões por querer namorar, ter uma vida sexual ativa, querer ir de férias/situações que me fizeram sentir ridicularizada:
- Tentativa de proibição de sair de casa, ou seja, qualquer membro da família, depois de adulto, podia sair de casa, menos eu, por estar numa condição física diferenciada.
- Ter dois familiares a rirem-se e a murmurarem algo pela janela da casa, enquanto beijava o meu companheiro, na época, na parte exterior da casa,
-Divergências por ter tomado decisões para a minha vida sem consultar a família, após atingir a maioridade.
Comentários que já ouvi por depender de um familiar para entrar e sair de um automóvel, por não ter uma casa adaptada para fazer as coisas de forma autónoma, por não estar habituada a fazer algo, quererem fazer coisas das quais não estão habituados, para tentarem diminuir a disfuncionalidade familiar e redimirem-se dos erros:
-”É um peso morto!”
- “coitada!”
- “Estou lixado com isto!”
- “Está pesada, não dá jeitinho nenhum!”
- “Eu não vou tomar conta dela, vou sair!”
-” Queres ir ao cinema um dia?” Pergunta a qual respondi que já tinha ido e que estava habituada a ir sozinha.
Quero, com isto, dizer que não se combate o preconceito e as lacunas familiares camuflando os problemas e desvalorizando formas de pensar retrógadas e ultrapassadas, utilizando bens materiais ou momentos de lazer como fuga para não falar da necessidade urgente de mudar mentalidades.
Contudo, só se consegue a tão desejada transformação de mentalidades a longo prazo, a sensibilizar, a consciencializar e a dialogar!
Um familiar chamar– me a atenção na rua (por vezes aos berros), dentro/fora de cafés e restaurantes, por achar que não tenho experiência a conduzir a cadeira elétrica, sendo que infelizmente já o faço há muitos anos, dizendo – me o seguinte:
-” Anda mais depressa, estás com medo?! Eu vejo colegas teus a correrem isto tudo! (comparação com colegas meus.) “Ela tem de se habituar” (meu familiar, falando para outra pessoa.) e quando eu “andei” mais depressa, conforme meu familiar pediu, começou a gritar:
- “Anda mais devagar!”
- Numa outra situação, o mesmo familiar estava dentro do carro e eu fora do carro, sentada na cadeira, a gritar e a dar-me instruções sobre qual a direção (direita/ esquerda) que eu deveria seguir!
- “Cuidado com as outras pessoas, não vás contra a porta! Olha os vidros, não vás contra os vidros, senão depois eu é que tenho que pagar! Não vás contra a parede!”
Tornasse muito difícil não só circular em locais sem acesso para cadeira de rodas, como também no interior de espaços públicos muito estreitos, e muitas pessoas, infelizmente, ainda não entendem isso!
Falta de acessos e Bullying na escola:
Estarem há minha volta a baterem palmas, a gozarem-me e a enfiarem-me o balde do lixo na cabeça!
Estarem dentro da sala de aula e, enquanto a professora dava aula, abanarem muito a minha cadeira e a compararem com um vibrador. Depois da aula, fiquei sozinha com a professora, desabafei, chorei desesperadamente, parecia que ia sufocar. Senti-me triste, sozinha, incompreendida, parecia que ninguém me amava!
Eu e uma colega de turma, na mesma condição, éramos colocadas dentro de uma sala de aula na hora de almoço, onde fazíamos as respetivas refeições, pois o refeitório da escola não estava adaptado e não tinha acessos para que pudéssemos frequentá-lo!
Um tempo depois, quando nos foram dadas condições para frequentar o mesmo local que os outros alunos, em pleno horário de almoço, eu e a minha colega ficamos de frente para duas alunas e, enquanto comíamos, eu ouvi uma a dizer para a outra:
-” Já viste como elas são?!”
Este comentário fez-me sentir muito mal, fez-me sentir que, tanto eu como a minha colega, éramos consideradas uma espécie rara, diferenciada.
Para algumas pessoas da escola, eu e a minha colega tínhamos de andar vestidas de forma igual, como se pertencêssemos a um padrão único e a uma categoria social diferente:
” Devias te vestir como a tua colega!” Se a minha colega viesse de calças ou saia, eu tinha de vir também...!
Na escola ou universidade, sempre foi um problema para ir ao WC, pois não há funcionários para desempenhar essa tarefa ou as casas de banho não estão adaptadas!
-Os meus colegas de turma, que faziam bullying , perguntarem-me de forma constrangedora o seguinte:
” Como tens relações sexuais estando numa cadeira de rodas?!”
Colocarem um preservativo no joystick da cadeira elétrica, e acharem engraçado.
Outra situação constrangedora foi uma professora me dizer que eu não podia frequentar a escola se continuasse a cheirar mal. Eu tomava banho todos os dias e, mesmo que não tomasse, este tipo de reação e observação jamais deveria feita por parte de uma profissional de ensino.
Eu lembro-me também que toda a turma se queixava do cheiro de outra colega, e eu pergunto-me :
” Porque é que a professora não a chamou à parte, como fez comigo, e não lhe disse o mesmo que me disse?!”
” Porque é que a defendeu tanto quando a turma inteira fazia bullying com ela, e não me defendia quando o faziam comigo?!”
-” Por que é que os direitos não eram iguais?!”
Num determinado dia, confrontei-a perante toda a turma e disse, na frente de todos, o desconforto que a professora me tinha causado, ao qual ela respondeu que era mentira e ameaçou levar-me à direção da escola!
E agora, a pergunta crucial é a seguinte:
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