quarta-feira, 9 de julho de 2025

Também resolvi fazer o levantamento de situações de preconceito sentidas por dois colegas que usam cadeira de rodas, e sobre o que ambos acham da inclusão em Portugal, assim como o que poderia melhorar em termos de acessibilidade. Obtive os seus testemunhos por vídeo. 

O primeiro vídeo trata-se de um amigo e colega, chamado Ricardo Alves, em que o mesmo relata ter concorrido a uma vaga para o desempenho de uma função dentro de uma empresa, há mais de 20 atrás Assim que confessou ser “cadeirante-  expressão brasileira utilizada pelo mesmo para explicar que usava uma cadeira de rodas a pessoa responsável pelo gerenciamento das entrevistas deixou de o considerar:  

  •  Inventou desculpas, disse-me que já não havia vaga.” Contudo, no mesmo dia, resolveu candidatar-se a uma vaga de emprego noutra empresa, sem a informar a entidade empregadora que se deslocava numa cadeira de rodas. 

No dia da entrevista, o mesmo diz que a senhora que lhe entregou um papel para preenchimento dos dados pessoais ficou impactada, e que lhe questionou rapidamente o que ele estaria lá a fazer. Ele respondeu a essa pergunta com outra questão: 

  • O que é que a senhora acha?! O que é que eu estou aqui a fazer? Estou a fazer aquilo que toda a gente está a fazer: estou a concorrer à vaga!” Confessou alguma estranheza ao perceber que foi o último a ser entrevistado, uma vez que revelou ter sido um dos primeiros a chegar ao local. 

Entretando, disseram-lhe que a vaga já teria sido preenchida. Ele perguntou diretamente se tal facto estaria relacionado com a sua condição física, ao qual o responsável respondeu que não, que até trabalhava com pessoas com deficiência. No dia seguinte, para seu espanto, descobriu que ainda estavam abertas a candidaturas para a função a qual concorreu anteriormente, salientando a certeza de que não o contrataram por ter mobilidade reduzida - o que o deixou desanimado. 

Diz também que se sente desanimado com a precariedade das acessibilidades neste paísexemplificando : 

“Temos autocarros adaptados, mas na prática não é assim que funciona, porque não temos ninguém que nos ajude a pôr os cintos”). 

Relativamente á integração das pessoas com deficiência na sociedade, o mesmo respondeu o seguinte: 

  • ”Eu acho que a inclusão é uma fantasia. Sinto-me sozinho, sinto que estou a lutar sozinho para ter um emprego e para ter uma condição de vida melhor, como toda a gente normal!” Fiz questão de lhe mostrar e de lhe reforçar a ideia de que ele é uma pessoa normal, e que as únicas pessoas que têm de encarar isso de forma definitiva é a sociedade. Acrescentei ainda que estávamos a fazer o vídeo para sensibilizar e consciencializar as pessoas, sobretudo os mais jovens, que são a geração do amanhã. 

Porém, ele afirmou ainda uma dura e cruel realidade com a qual eu não posso deixar de concordar: 

  • A sociedade olha para nós como coitadinhos”, reforçando novamente a ideia de que a inclusão é uma fantasia. 

Eu pude reparar, no auge do seu desabafo, quando disse: 

  •  Sinto-me sozinho, sinto que estou a lutar sozinho para ter um emprego...como toda a gente normal!” 

Estamos perante uma atitude capacitista da parte do meu colega e amigo. Essa afirmação perpetua a ideia de que só existe uma forma certa de ser – da qual ele considera não fazer parte. Ainda que não tenha sido essa a sua intenção, este tipo de linguagem reforça a exclusão. 

No segundo vídeo, a minha colega Inês Braga começa por falar das acessibilidades, afirmando que a cidade do Porto e a sociedade não estão minimamente preparadas para as pessoas com deficiência em dois aspectos: 

  • ”A nível de mentalidades, ou seja, a aparência física conta mais do que a inteligência e a capacidade intelectual. Não podemos criar acessibilidades físicas quando a mentalidade é retrógrada. Se houver o estigma de que as pessoas com deficiência não são capazes, não têm autonomia, não têm direito à sua opinião, à sua assertividade...ou seja, enquanto as mentalidades não mudarem, mesmo que se criem acessos físicos, as barreiras continuarão a existir. Na minha perspectiva reflexiva, o primeiro passo é consciencializar as pessoas de que a deficiência não é um “bicho papão”. Somos pessoas exatamente iguais, com os mesmos direitos e deveres”. 

Relativamente á parte da discriminação, ela relata que passou por duas situações preconceituosas. A primeira foi na infância, um episódio que ela considera ter sido um impulso para a desconstrução de dogmas e paradigmas do que seria a deficiência naquela altura: 

  • ” Aos 6 anos de idade, fui colocada no fundo da sala ao pé de um aquecedor de lenha, sozinha.  A professora escreveu um exercício de matemática no quadro e perguntou aos alunos quem saberia a resposta. Eu, com as minhas limitações físicas, levantei o dedo e acertei na pergunta. A partir desse dia, passei para a mesa da frente. Eu sempre fui uma pessoa autodeterminada e queria ser diferente. Tive sempre um lema na minha vida: 

  • ”As barreiras não são barreiras, são oportunidades de mudança!” 

Afirma também que, numa entrevista de emprego, lhe disseram que estava apta para a função que a empresa precisava. No entanto, como necessitava de apoio para comer e nas idas a casa de banho, não a aceitaram como funcionária. Considera que o preconceito é transversal e confessa que esperava que as mentalidades estivessem menos atrasadas e mais evoluídas no que respeita ã mobilidade reduzida, salientando o seguinte: 

  • ”As mentalidades continuam retrógradas, continuam iguais - ou piores ainda - em pleno século XXI!” Comparando-as com as formas de pensar de outros tempos, reforçando novamente a ideia que a aparência física conta mais do que a intelectual. Conta ainda que se sentiu desmotivada com a rejeição da empresa para o exercício da função para a qual lhe disseram estar apta. 

Disse também que era muito difícil transformar mentalidades e readaptar pessoas com deficiência  à sociedade, por uma muita persistência e resiliência que ela demonstre, mas que não irá desistir. Reafirma a importância de todos, em conjunto pessoas com e sem deficiência - sermos agentes de mudança para uma sociedade mais rica, mais inovadora, mais moderna, mais inclusiva, mas sobretudo mais integradacom estratégias individualizadas para cada pessoa, de acordo com as suas necessidades. 

 

https://youtu.be/fByWJm8aXds?si=H6reuvy-FHB3STC9
https://youtu.be/BAdFGkB6M_8?si=ON9iq4ikwvIKxF5e




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